Ainda em dezembro, o sertanejo se veste de esperança aguardando cair as primeiras chuvas. Isso porque as precipitações não são um acontecimento banal no Semiárido brasileiro, pelo contrário, é um dos episódios mais aguardados por quem conhece de muito perto os impactos da ausência de chuvas. Elas são tão esperadas que se tornam um verdadeiro evento, digno de muita alegria, comemoração e comoção.
Para saber como será a quadra chuvosa, muitos sertanejos recorrem aos seus saberes populares, são os chamados profetas das chuvas. Essas previsões são pautadas em uma observação minuciosa da natureza, dos astros, somada a fé e esperança, um saber geracional.
No Ceará, todos os anos é realizado o encontro dos profetas e profetisas para discutir as previsões de inverno para o ano. No último dia 13 de janeiro, foi realizado o encontro na cidade de Quixadá, Sertão Central do Ceará, para apresentar a previsão de 2024.
De acordo com os indicativos apresentados durante o encontro, a expectativa é de chuvas dentro da média a partir de fevereiro. Alguns dos sinais da natureza que anunciam a boa quadra chuvosa são as formigas, cupins, as borboletas, como o vento sopra, a posição da lua e a formação de nuvens em determinados períodos. Além da análise atenta da floração de plantas da Caatinga, em especial o Pau D’Arco e o Mandacaru.
Efeitos do El Niño
Apesar das boas expectativas apresentadas pelos profetas das chuvas, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME) divulgou, na última semana, que há tendência de uma estação chuvosa mais curta este ano, isto é, com os principais acumulados de chuva concentrados entre os meses de fevereiro e março.
Este cenário se dá, principalmente, pelo aumento da temperatura no Oceano Pacífico Equatorial Central, aquecimento acima da normalidade, caracterizando o fenômeno El Niño. O fenômeno é responsável por desregular a velocidade e a intensidade das correntes marítimas, mudanças que alteram de forma drástica padrões de chuva e seca mundo afora. Enquanto no Semiárido nordestino há escassez de chuvas, na região Sul do país o efeito é contrário, com chuvas muito fortes em um curto espaço de tempo.
Independentemente do tipo de evento climático extremo, esses acontecimentos afetam de forma drástica o funcionamento de uma comunidade, com percas econômicas, ambientais e danos à saúde da população. Nas comunidades rurais onde atuamos, por exemplo, a agricultura familiar é severamente impactada, já que a escassez de água inviabiliza o cultivo de alimentos. Há ainda o declínio da biodiversidade local, riscos de incêndios severos e perda da qualidade do solo. Como consequência drástica, as mudanças climáticas têm forçado cada vez mais o deslocamento de pessoas em busca de oportunidades em outras regiões do país, onde também correm o sério risco de sofrer com outros desastres naturais.
Para lidar com essa situação, medidas de mitigação e adaptação, como as tecnologias sociais, vêm sendo empregadas como alternativas de respostas a essas mudanças, possibilitando melhores condições de enfrentamento e adaptabilidade às ameaças climáticas. Recebem destaque as tecnologias focadas na segurança hídrica, como as cisternas (domiciliar, cisterna calçadão e cisterna enxurrada); barreiros trincheira; barragem subterrânea; reuso de água; poços artesianos; bomba d’água popular; recuperação de nascentes; e, coleta de resíduos sólidos.
Na frente de agricultura, a implantação de sistemas agroflorestais; aproveitamento de madeiras; recuperação de áreas degradadas; técnicas de pousio e rotação de culturas; cultivo em leiras; reflorestamento com vegetação nativa; utilização de compostos/fertilizantes orgânicos; e, uso de sementes crioulas.
A urgência em adotar medidas de adaptação às mudanças climáticas se acentua frente a necessidade de conservação dos recursos naturais, o manejo adequado do solo e da água, em consonância com processos produtivos sustentáveis e a diminuição das vulnerabilidades socioeconômicas das populações que vivem nesses territórios. Nesse sentido, as tecnologias sociais surgem como um modelo alternativo de desenvolvimento apropriado para o Semiárido brasileiro, desempenhando um papel importante na região e capaz de responder à adaptação climática.