Por Adriano Batista e Lelis Duarte*
Há 10 anos a Adel atua no semiárido do Nordeste brasileiro, desenvolvendo atividades em mais de 360 comunidades rurais em 27 municípios no Ceará e Rio Grande do Norte, dois estados completamente inseridos no semiárido, cobertos pelo bioma Caatinga.
A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, se estende por nove estados e ocupa cerca de 11% do território nacional. Caracterizada por uma rica biodiversidade, sua flora é composta por plantas adaptadas à pouca água, denominadas xerófilas.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a Caatinga possui 932 espécies de plantas, das quais 318 são endêmicas, e 800 espécies de animais. De acordo com alguns pesquisadores, há muitas outras espécies ainda desconhecidas.
Historicamente, os habitantes dessa região, por meio das atividades agropecuárias e extrativistas realizadas de forma desordenada, têm destruído o que existe de mais valioso nesse bioma: o seu potencial biológico. Dados indicam que em torno de 46 % da mata já foi devastada. Como consequência, o solo e a água também sofrem efeitos devastadores, ocasionando a desertificação e o assoreamento de rios.
Levando em consideração a forma desarmônica como o homem vem se relacionando com esse bioma, faz-se necessário mudar para uma nova perspectiva de convivência sustentável, percebendo e explorando racionalmente os inúmeros potenciais e oportunidades que a Caatinga oferece, podendo garantir, assim, o bem-estar e a permanência das famílias no campo com qualidade de vida.
Seguindo essa perspectiva, a Adel vem atuando em comunidades inseridas nesse contexto com responsabilidade, formando e conscientizando jovens rurais, agricultoras e agricultores familiares para que adotem práticas e comportamentos para conviverem harmoniosamente com o bioma Caatinga e com a realidade do semiárido.
Atuando para prover o acesso a conhecimento, crédito orientado, redes cooperativas e tecnologias integradas de informação e comunicação, a Adel já beneficiou mais de 2 mil famílias, cerca de 2,7 mil jovens e 13 mil agricultores através de 52 projetos socioambientais focados em sua missão institucional, que é promover o desenvolvimento de comunidades rurais através do empreendedorismo e do protagonismo de jovens e agricultores.
A exemplo disso, podemos citar inúmeros casos positivos de jovens e agricultores que estão vivendo e convivendo harmoniosamente com a natureza e permanecendo em seu território com qualidade de vida, como nos casos de Everardo Alves, Ivânia Cavalcante e Inácio Nascimento. São referências positivas para outros jovens e para as comunidades rurais de resiliência social e ambiental na Caatinga.
Everardo Alves é um jovem que mora em Lagoa das Pedras em Apuiarés. Apicultor, demonstra de maneira formidável seu entusiasmo por essa profissão. Mas, nem sempre foi assim. Ele já foi um coletor de mel tradicional como outros de sua região, e no processo da retirada desse produto na mata nativa, cortava as árvores e queimava as abelhas.
Sua visão mudou quando adquiriu conhecimento sobre a produção sustentável, através de diversos cursos e experiências em campo, promovidos pela Adel e outras organizações do território. A partir dessas formações, percebeu que podia obter o mel sem destruir as abelhas e passou a e criá-las racionalmente. A princípio, criava apenas abelhas africanizadas, depois incluiu as espécies nativas sem ferrão, principalmente a Jandaíra – endêmica da Caatinga.
Everardo tornou-se pioneiro no território na criação de abelhas sem ferrão. A Meliponicultura, atividade ainda pouco conhecida no Brasil, apresenta grande potencial para a conservação dos biomas, incluindo a Caatinga. Os meliponíneos são agentes polinizadores de parte das plantas nativas dessa região. Além disso, é uma atividade relevante para a agricultura familiar, ofertando alimentos, remédios e derivados para consumo próprio, bem como uma excelente oportunidade de geração de trabalho e renda, uma vez que esses produtos possuem maior valor agregado.
Além das abelhas, Everardo, também passou a conviver de forma mais harmoniosa com a mata nativa, reflorestando e conservando o que restou. Atualmente, reserva em sua propriedade uma área sem desmatamento e pastoreio de animais. E, realiza o plantio de mudas de espécies nativas, especialmente aquelas com boa produção de pólen e mel, visando a sustentabilidade da atividade apícola.
Hoje, Everardo lidera um grupo de apicultores e meliponicultores; possui na comunidade um Meliponário modelo para difusão de conhecimento; colaborou para a construção da Rede Néctar do Sertão, um empreendimento coletivo que busca fortalecer a cadeia produtiva do mel de forma agroecológica com a finalidade de incentivar o desenvolvimento comunitário e a conservação da natureza em comunidades rurais do Vale do Curu; tornando a Meliponicultura e a preservação da Caatinga temas amplamente difundidos no território.
Seguindo essa mesma tendência, os agricultores Ivânia Cavalcante e Inácio Nascimento residentes no Assentamento Barra do Leme em Pentecoste, conhecem bem os desafios do semiárido e com resiliência buscam uma nova relação com a terra.
O casal não tinha terra para plantar, mas com organização e muita luta conseguiram o desejado pedaço de chão. Com a conquista perceberam que não dava para fazer uma agricultura sustentável sem as sementes crioulas e sem construírem uma nova relação com a Caatinga. Então, na busca de recuperar esse tipo de semente, encararam o desafio de uma viagem de bicicleta pela América Latina coletando e debatendo a temática. De posse da matéria prima, iniciaram o plantio e reprodução, mas contrariando o que se esperava, enfrentaram os quatro anos de estiagem.
Diante dos desafios eles perceberam que precisavam melhorar a captação e infiltração da água no solo. Com isso lançaram a proposta de recuperar os olhos d’água por meio da tecnologia dos “Artiquíferos” – cacimbas de água preenchidas de areia e matéria orgânica, interligadas entre si por meio de vasos comunicantes que acompanham as curvas de níveis e o fluxo das águas no terreno.
A partir dessa estratégia, conseguiram criar condições favoráveis para recuperar a mata nativa e cultivar plantas frutíferas para consumo da família por meio do sistema agroflorestal, uma maneira de fazer agricultura agroecológica com uma relação de respeito com a Caatinga. Criativamente, eles também criaram a “Cozinha da Horta”, iniciativa apoiada pela Adel que valoriza a produção agroecológica e a mudança dos hábitos alimentares das famílias.
As ações de Ivânia e Inácio envolvem toda a comunidade de Barra do Leme, principalmente os jovens que enfrentam os desafios de permanecer com qualidade de vida no meio rural. Através das vivências diárias e do teatro popular com as crianças e os jovens, o casal apresenta os conhecimentos e valor da Caatinga para as novas gerações.
Portanto, é possível aos habitantes da Caatinga permanecer e conviver de forma harmoniosa com o meio ambiente, explorando os potenciais, vocações e oportunidades locais de forma sustentável. Ao mesmo tempo em que desenvolvem atividades geradoras de trabalho e renda que contribuem para melhorar as condições de vida e de trabalho em suas comunidades é possível preservar e conservar os recursos naturais.
Adriano Batista é Diretor Executivo da Adel e Zootecnista. Lelis Duarte, Assistente de Projeto da Adel, Bióloga e Especialista em Gestão Ambiental.