Agricultura familiar como impulsora do desenvolvimento inclusivo e sustentável

Uma das perguntas que mais chegam a nós de pessoas que não são familiarizadas com a modalidade de agricultura familiar é sobre a sua viabilidade e o seu verdadeiro potencial de sucesso em relação ao desenvolvimento econômico sustentável, regional e do país como um todo. Alegam que outros países têm políticas de desenvolvimento agrícola baseadas em agroindustrialização em larga escala, tecnologias avançadas e criação de modelos de negócios de natureza puramente empresarial. Vão além: dizem que a agricultura de sucesso no Brasil, que pode gerar desenvolvimento econômico de fato, é aquela do agronegócio, principalmente voltado para exportação – gera empregos, renda para diversos trabalhadores e movimenta a economia de regiões que dependem dessas cadeias de valor.

A primeira parte da resposta a esses questionamentos é que não se trata de modelos de produção rural que não podem coexistir. Muito pelo contrário: em qualquer estratégia de longo prazo para o desenvolvimento rural sustentável no Brasil, é preciso pensar na diversidade de contextos, nas peculiaridades, das diferentes regiões. Ambos os modelos precisam coexistir: de um setor de agronegócios, com foco empresarial e produção em larga escala, principalmente voltado para exportação, e um setor de produção agropecuário organizado a partir de cadeias de valor regionais, com unidades produtivas voltadas para produção diversificada e voltada para consumo local e interno no país. Este último também precisa ter um espírito empresarial, adotar ferramentas, práticas e tecnologias que aumentem produtividade, rentabilidade e competitividade. Mas que também considere o papel crítico que tem o acesso à terra e à capacidade de produzir para o próprio sustento, como parte de uma política agrícola que seja socialmente responsável e efetivamente sustentável. Que melhore as condições de vida no meio rural em todo o país, inclusive fora das regiões já organizadas por grandes propriedades voltadas para o agronegócio.

A relação comumente feita entre desenvolvimento (ou até sucesso) econômico de um país e seu grau de industrialização pode ser bastante falaciosa. É sim possível ter um país desenvolvido e com sua economia tendo como uma de suas atividades primárias a produção rural – não exclusiva, mas uma das principais. Um país pujante precisa ter uma economia diversificada e que seja planejada considerando sua gente, as pessoas que vivem nele.

Tanto que essa produção rural seja organizada e governada considerando os critérios de sucesso dispostos no mercado global e que também considere a importância da agropecuária em seu mercado interno e na geração de riqueza para seus cidadãos.

Em todos os países do mundo onde hoje há um setor agrícola superprodutivo e rentável, fornecendo tanto para o mercado interno como para o externo, houve um processo de reforma agrária e fundiária, ou ao menos a adoção de uma política consistente para organizar a ocupação das terras agricultáveis, no passado. Em muitos desses casos, são países que fizeram reformas e adotaram estratégias nesse sentido há mais de um século, sob forte pressão popular, inclusive.

É certo que cada um desses países construiu políticas públicas para orientar aspectos fundiários e de produção rural de acordo com sua cultura, sua história e considerando as demais características de sua economia. E com o Brasil, isso não deveria acontecer de maneira diferente. O Brasil, que é um país bastante peculiar, de fato, em tantos aspectos, precisa construir uma estratégia de desenvolvimento agrícola que seja inclusiva, que considere as múltiplas realidades que se inserem em seu território e que tenha uma assinatura nacional, como convergência de interesses, perspectivas e possibilidades, e com equanimidade na atenção a cada um dos grupos de atores envolvidos: empresários e investidores agroindustriais, gestores públicos, agricultores familiares de pequeno e médio porte e a sociedade civil organizada.

Mas qual precisa ser, no fim das contas, o objetivo das unidades produtivas de agricultura familiar, principalmente nas regiões onde apenas essa atividade é responsável pela segurança alimentar de tanta gente? Qual é o próximo passo, determinante para o seu sucesso, em uma lógica de desenvolvimento que priorize o ganho de qualidade de vida pelas pessoas no campo, a garantia de condições de vida e de trabalho dignas e dos direitos humanos?

Porque quem vive nas comunidades rurais, por exemplo, do Semiárido do Nordeste brasileiro, também tem o direito a ter serviços públicos, a redes de proteção social eficazes, a serviços de fomento para suas atividades produtivas, a infraestrutura e a equipamentos sociais como escolas e postos de atendimento médico. E devem ter acesso a isso de modo similar a quem vive no meio urbano, em volume de oferta e em qualidade. Trata-se, aqui, de justiça, não apenas de justiça social, mas de justiça econômica e ambiental, e de justiça sem adjetivo – a justiça que precisa ser considerada ao se fazer valer a Constituição Federal de 1988.

Nessas comunidades, a manutenção da vida, a subsistência das famílias e o desenvolvimento que acontece, mesmo que limitado por tantos fatores, se dá pela resiliência de agricultores e agricultoras. Mais do que isso: pela tenacidade da gente que lá vive, criando modos de conviver de forma sustentável com os desafios do cenário local.

O país (os governos federal, estaduais e locais e a sociedade como um todo) continuará a ter obrigações relacionadas a proteção social e a garantia de direitos, de modo afirmativo, com as famílias que vivem em comunidades rurais em situação de vulnerabilidade enquanto a produção agrícola nessas pequenas e médias propriedades não tiverem maior sucesso em seu desenvolvimento, em sua capacidade de produzir com maior eficiência, maior estabilidade e consistência, a partir de planos de negócios que considerem sazonalidades, com acesso a capital paciente e comprometido em ajudar esses empreendedores rurais e agrícolas a crescer seus empreendimentos, e, por fim, em sua capacidade de gerar renda para as famílias que dependem desse trabalho.

O fato é que a agricultura familiar tem função social e ambiental críticos para qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável brasileiro hoje e no futuro, por seu território incrivelmente diverso e vasto. Afinal, é inegável que a agricultura familiar, quando os produtores têm acesso a conhecimento sobre boas práticas, a tecnologia e a educação técnica, é uma atividade com maior potencial de preservação e até restauração ambiental, de conservação de equilíbrio ecossistêmico, sem perder produtividade e, o melhor, agregando valor aos seus produtos. Isso com uso racional e consciente de recursos já disponíveis nos territórios. É um modelo de produção que realmente contribui para o desenvolvimento sustentável.

Na nossa visão, da Adel, o caminho em que mais acreditamos para o desenvolvimento sustentável e efetivo da agricultura familiar é o avanço na organização de arranjos e sistemas cooperativos ou, ao menos, colaborativos, de produção. Acreditamos que é preciso introduzir um componente de negócios na gestão das propriedades rurais de agricultura familiar. É importante construir um plano de negócios e ter uma visão estratégica – que considere as cadeias de valor em suas regiões. E nessa visão estratégica, reconhecer a necessidade de cooperar e colaborar: para acessar insumos por preços menores e com maior facilidade e qualidade, compartilhando meios de produção e os seus custos, assim como os custos de investimentos necessários para expansão, para conhecer sobre inovações e experimentar e testar novas tecnologias que deem eficiência à produção e para dar visibilidade e abrir canais rentáveis de comercialização, principalmente direta. A agricultura familiar precisa ter foco em mercado, como qualquer outra atividade geradora de renda. Mas, para além disso, não pode perder sua atenção às pessoas, às famílias, que fazem as atividades acontecerem. Essa é uma estratégia para permitir a estruturação de cadeias de valor significativas para as economias locais, com agregação de valor e acesso a novos mercados por esses empreendedores rurais.

Temos investido nossos esforços e nossa atenção recentemente à formação de Arranjos Produtivos Locais (APLs) e sistemas cooperativos de produção rural no Semiárido do Nordeste brasileiro. Assim como temos trabalhado cada vez mais com o conceito de negócio comunitário – justamente como um modo de se referir a um sistema cooperativo ou colaborativo envolvendo produtores em cadeias de valor em que convergem entre si.

Além disso, temos trabalhado para estimular e criar oportunidades para que jovens permaneçam em suas comunidades rurais. E que considerem as possibilidades de desenvolvimento e de mobilidade social positiva, seus planos de vida, como empreendedores rurais, sucedendo seus pais na gestão dos negócios das propriedades rurais. Jovens repletos de talentos, de novos saberes, que têm maior escolaridade do que as gerações anteriores, que têm maior facilidade em obter informações e conhecimentos por meio da Internet. Jovens que, ao permanecer no meio rural, têm potencial para liderar, para serem agentes de transformações bastante positivas na agricultura praticada em pequenas e médias propriedades.

Nesta semana da agricultura familiar, agradecemos a todos que nos apoiam e nos apoiaram nesses anos de luta e de desafios, mas também de resultados expressivos, que contribuíram para gerar impactos positivos diversos nas vidas de mais de 30 mil agricultores e agricultoras no Nordeste brasileiro. Acreditamos que esse é apenas o início e que plantamos sementes de mudanças nas realidades de diversas comunidades. E vamos seguir trabalhando com a mesma resiliência e tenacidade que os agricultores e as agricultoras têm para avançar em um modelo de desenvolvimento econômico rural que seja inclusivo e sustentável.

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